segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Vestido Vermelho

O texto "Vestido Vermelho" é o segundo texto da série de contos que escrevi. A criação dessa coleção de contos veio à partir de uma foto vista na internet, de músicas de uma cantora britânica e das próprias relações humanas no dia a dia, em que as cores, os sons, a textura e até mesmo os sonhos são passados despercebidos. 

A mesma se divide em duas partes: a primeira denominada “7” contará em cada texto o cotidiano de seis personagens de diferentes tipos, os seus sonhos e frustrações em uma singela imagem do ser humano, sendo o último conto sobre uma determinada rua e o que ocorre nela... 

O último conto de “7” serve de gatilho para a segunda parte com o nome de “Entrelinhas”, na qual há também sete contos, alguns divididos, sendo esses as relações entre os personagens na rua da parte anterior. Com linguagem simples e construções de ideias básicas, essa coleção fará você, leitor, reconhecer cada personagem em si. A todos, uma boa leitura!

PS: Normalmente escrevo meus textos ouvindo musicas específicas. Abaixo do texto tem as duas música que considero ideais para a leitura do texto.





                                                                   Vestido Vermelho

    Sentada do chão apenas com suas roupas íntimas e um hobbie está uma mulher a chorar e a pensar, a chorar sem ter o que dizer, mas tendo que se questionar o porquê disso acontecer, o porquê de doer tanto, o porquê de ser tão cedo, o porquê de ser com ela. Suas lágrimas escorrem pelo seu rosto já marcado pelo tempo, mas nada que a fizesse perder sua beleza, exceto as lágrimas.
    Essas lágrimas que molham seu rosto são as mesmas que a fazem lembrar do tempo que se passou e que não irá voltar, de um tempo que não poderá ser seguido e agora terá que tomar outro rumo, de imagens, cores e sons que agora perderam o sentido e foram sugados da sua vida e se apresentam a ela em forma de um vestido preto sobre a cama.
    Ela deseja levantar, enxugar suas lágrimas e sentir que nada aconteceu, que o momento de tristeza passou, que a cama não ficará vazia, que seu útero terá uma vida cheia de amor e esperança, e não ficará vazio como agora. Ela deseja levantar, abraçar o amor como fazia todas as manhãs, exceto essa em que seu amor foi tirado, arrancado de forma brutal de sua vida.
     Com o pouco de força que lhe resta ela se levanta e vai pra cama onde se deita sentindo o cheiro do travesseiro e lembrando o quanto era bom amar e se sentir amada, lembra que um dia teve sentido viver pra deitar naquela cama, lembra do que passou e o quanto seu coração enchia de alegria e não de dor pela a perda. Respira ofegante, bota a mão sobre o travesseiro onde seus olhos possam alcançar o anel em seu dedo anular. Aquela pedra significa mais que uma pedra e aquele ouro tem mais valor que o dinheiro pode pagar. 
    Alguém tenta entrar no quarto, mas a porta está trancada, ela não se move, sem se importar com quem está lhe chamando, ela já não se importa com mais nada, tudo que ela quer é ficar ali, sozinha, ela e a solidão de seus pensamentos perdidos no seu amor que agora se foi.
    Seus olhos se fecham, e ela tenta conter o choro. Aos poucos ela vai se acalmando, como se seu amado estivesse ali, deitado na cama, segurando sua mão e dizendo que tudo passou, que nada mais importa, que tudo se resume naquele momento dos dois, só os dois, em que o céu é mais claro, quando não há tempestades, nem choro, nem solidão. Apenas paz.
    Mais calma, ela volta a si com o rosto inchado de tanto chorar, pra ver se a dor passava, mas não! A dor continuava ali, sendo ela forte ou não para encará-la. Mais uma vez ela olha o vestido sobre a cama e pensa se realmente deve vesti-lo, se realmente precisa passar por isso, se aguenta mais horas, dias, meses e talvez até anos de sofrimento.
    Lentamente, ela se levanta, enxuga as suas lágrimas e começa a se arrumar para sair, pra se despedir do amor que agora se foi e nunca mais retornará. Começa a arrumar seus cabelos, passando a escova por entre os fios, lentamente, como fazia todas as noites enquanto ele a olhava admirado com sua beleza.
    Pega sua maquiagem e começar a se pintar, como uma boneca, como uma verdadeira dama, dama essa que não foi amada por um simples vagabundo, mas pelo seu próprio príncipe encantado. Ela se volta pra cama e observa o vestido mais uma vez, toca seu tecido, como quem toca uma relíquia, algo quase nunca usado e decide não usá-lo. Vai até seu guarda-roupa e escolhe o vestido que lhe marca. Escolhe o vestido vermelho, que mesmo após anos sem usá-lo, cabe no seu corpo como uma luva, como se tivesse sido feito só pra ela e pra mais ninguém. O vestido que usou em um dos momentos mais felizes da sua vida é o mesmo que usará nesse que se tornou o mais triste e solitário.
Ela entra sozinha na igreja, e vê alguns rostos conhecidos, mas que agora pouco importam. O rosto mais importante é pálido, sem vida, sem amor. Ela o olha deitado onde o padre faz um sermão e caminha sozinha como nunca esteve antes. Olhares assustados a encaravam, sem entenderem o motivo de um vestido vermelho nessa ocasião, e são exatamente esses olhares que a fazem lembrar a primeira e única vez que tinha usado esse vestido.
 Era noite e estavam sentados jantado, como um dia qualquer, e ela com seu vestido vermelho, ele com um blazer escuro sobre uma camisa clara e conversavam, sorriam e eram felizes sem pensar no amanhã.  Foi então que ele mexeu no bolso tirando uma caixinha que abriu e mostrou a ela um lindo anel, o mesmo que está no seu dedo até hoje.
Seu coração disparou, ela sorria como uma criança, aquele era o momento oficial em que seu amor seria eterno com juras e promessas tão sinceras que não se ouve mais falar hoje em dia. Ela sorriu e estendeu sua mão esquerda em sinal de aceitação, ele colocou o anel lentamente como um filme em câmera lenta. Ao fundo,  um cantor tocando seu violão e cantando canções românticas.  O homem que estava a sua frente, seu verdadeiro príncipe, se levantou e a convidou para dançar. Não havia ninguém dançando e, mesmo sem graça, ela foi, tomada pelo o encanto do momento.
Em passos lentos e corpos colados, eles se deslocavam ao ritmo daquela bela musica que estava sendo cantada. Era um momento único e especial, como muitos desejam viver, um momento real, sem mentiras, sem intrigas, sem vergonha de mostrar o quanto é bom amar e ser amado por alguém.
Ela está ali, estática perante o amado adormecido, mas nem um beijo pode salvá-lo desse destino. Ela o olha como olhos de candura, o mesmo olhar que trocaram durante a dança naquela noite. Todos continuam a olhá-la presenciando esse momento tão triste quanto se pode imaginar. Mais uma vez as lembranças daquela noite voltam a sua cabeça.
Aquele vestido é mais que um pano costurado por alguém, é a chama do amor que ali ainda existe, o mesmo vestido que foi usado para construir um sonho agora é usado durante a demolição deste mesmo, um sonho de amor eterno, em que apenas o tempo poderia levá-los, não um de cada vez, mas juntos, deitados na cama abraçados como um verdadeiro casal, como um verdadeiro amor.
As lágrimas voltam a escorrer pelo seu rosto, assim como na noite da dança, mas essas não são de alegria, são de tristeza de ver que uma hora um deles teria que partir para sempre. Ela se abaixa em direção ao rosto do amado e o beija, como naquela bela noite. Um beijo de despedida e não um de começo. Um beijo que selou para sempre o sentimento que havia entre eles, mesmo sem ser correspondido por uma parte.
Ela se volta e olha o rosto dele pela última vez e lembra-se de seu sorriso, que a encantava tanto, passa a mão pelo rosto dele e sussurra duas únicas palavras “até breve”. Ela fecha seus olhos, as lágrimas escorrem e ela se vira para a saída, começa a andar calmamente, sozinha, apenas ela e sua dor. Sozinha, apenas ela e sua dor, dentro de um vestido vermelho, um vermelho de amor eterno.

Músicas:
Song To The Siren - This Mortal Coil
The Funeral - Band Of Horses

Nenhum comentário:

Postar um comentário